A Multitarefa no Ambiente de Projetos

Renato | 18 de fevereiro de 2012

Muito se tem falado sobre a necessidade de se trabalhar em multitarefa. Não raro encontramos esta “habilidade” listada como um diferencial nas vagas de emprego. É alardeada esta “capacidade” presente nas crianças e jovens de hoje. Tanto que existem várias reportagens que já foram publicadas sobre o tema – como exemplo, apresento o link para uma delas, publicada na revista semanal Veja.

Mas, antes de debatermos o assunto, vamos conceitualizar multitarefa formalmente. Segundo o dicionário Michaelis online (michaelis.uol.com.br), multitarefa pode ser definida como:

sf (multi+tarefa) 1 Inform Execução de dois ou mais programas ao mesmo tempo, por um único sistema de computador; processamento concorrente. 2 Inform Capacidade de um sistema de realizar essa execução. M. preemptiva, Inform: forma de multitarefa na qual o sistema operacional executa um programa por um período de tempo, passando então o controle para o próximo programa, impedindo assim que todo o tempo do processador seja ocupado por um só programa. adj m+f Inform Diz-se do sistema capaz de multitarefa.

Como característica humana, podemos entender como multitarefa, através de uma abstração do conceito acima apresentado, a execução de duas ou mais atividades ao mesmo tempo por uma única pessoa.

Porém, de acordo com os pesquisadores Clifford Nass, Eyal Ophir e Anthony Wagner da universidade de Standford o cérebro humano não é preparado para trabalhar em multitarefa; nem mesmo as pessoas ditas “multitarefeiras”. Eles provaram isto trabalhando com um grupo de 100 pessoas. Além de concluirem que ninguém é bom em multitarefa, os ditos bons apresentaram um desempenho pior em multitarefa do que os que se julgavam não bons em atividade multitarefa. Link para o artigo aqui.

Um outro artigo, publicado no blog da Harvard Business Review e de autoria de Peter Bregman, também trata dos problemas de se tentar trabalhar em multitarefa e apresenta algumas maneiras de como evitar este tipo de comportamento e pode ser encontrado neste link.

Em 2010 realizei um experimento com 61 voluntários, justamente para investigar, qualitativamente, o desempenho destes colaboradores em mono e multitarefa. O experimento consistia em memorizar e repetir manualmente o preenchimento do quadro apresentado na figura 1 abaixo de duas diferentes maneiras. A primeira era o preenchimento do quadro na vertical, onde o colaborador listava primeiro todos os números, depois toda a sequência de letras e somente ao final a sequência de símbolos. Já na segunda maneira, o colaborador deveria preencher o mesmo quadro, porém em uma sequência horizontal, ou seja, alternando o preenchimento entre números letras e símbolos.


Figura 1 - Quadro para preenchimento monotarefa (vertical) e multitarefa (horizontal)

A primeira sequência é a representação da execução de atividades em regime de monotarefa, uma vez que o colaborador se concentra primeiramente nos número, depois nas letras e, por fim, nos símbolos. A segunda sequência simula um ambiente multitarefa, uma vez que o colaborador alterna entre as três sequências.

A experiência mostrou que todos os participantes, independente de sexo, idade e grau de escolaridade, obtiveram um desempenho em tempo e qualidade sempre pior na segunda sequência, conforme representado na figura 2 abaixo. Repare ainda que, além do desempenho em tempo ter sido pior no segundo caso, todas as entregas foram atrasadas sendo as sequências de números, letras e símbolos finalizadas praticamente ao mesmo tempo, fato que não ocorreu na primeira abordagem, onde os números foram finalizados com aproximadamente 1/3 do tempo total, as letras com 2/3 do tempo e os símbolos ao término do tempo marcado.


Figura 2 - Comparação dos tempos entre monotarefa (vertical) e multitarefa (horizontal)

Um fator importante para o atraso nas entegas é o tempo de set-up mental que o colaborador utiliza para se “recontextualizar” na atividade que foi abandonada sem ser finalizada.

Outro ponto importante a ser destacado é a queda da qualidade na execução das atividades, uma vez que o colaborador tem que se preocupar com a execução de três sequências ao invés de somente uma. A quantidade de erros na segunda abordagem é significativamente maior que na primeira.

A correlação destes estudos com o ambiente de projetos é direta. Em projetos, as atividades são executadas por pessoas e a distribuição da execução destas atividades, bem como a orientação para sua execução, são de responsabilidade do líder organizacional do time, seja ele o gerente do projeto ou o gerente funcional. Portanto, buscando melhor desempenho do time, é importante que este líder se preocupe em evitar a multitarefa na execução das atividades, uma vez que o desempenho do colaborador irá diminuir significativamente caso a multitarefa seja incentivada. Mas, ao contrario disto, vemos líderes pressionarem seu colaboradores para que executem três ou quatro atividades ao mesmo tempo, pensando que isto irá adiantar as atividades do projeto, o que no fim das contas, é garantia somente de aumento do nível de stress e de atrasos “não” esperados.

O planejador pode se valer de ferramentas de software que permitem a avaliação da superalocação de recursos ou evitar alocações parciais destes mesmos recursos com a finalidade de evitar a multitarefa.

Diferentemente da perda de tempo evidente na paralisação do processamento de uma peça em uma máquina em detrimento do início do processamento de outra, em projetos, têm-se a impressão de que o tempo e as atividades são “maleáveis” e que várias delas podem ser executadas ao mesmo tempo, sem que haja prejuízo no atendimento do compromisso final.

Em suma, é importante evitarmos, ao máximo, a multitarefa e suas consequências danosas para a execução das atividades e cumprimento dos prazos acordados para os projetos.

Um abraço e até a próxima!